segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Em cada porto, uma lição.



Ah, a tal da primeira vez. Sempre tão difícil. Cheio de dúvidas e com receio de tudo. Algumas vezes é bom, outras nem tanto. Em algumas dói, em outras dá tudo errado. Umas instintivas, outras puros clichês. Eu, por exemplo, me lembro bem de coisas como o primeiro beijo e o primeiro McDonalds. Já de outras, não: a primeira vez que respirei fora da barriga da mamãe, a primeira palavra falada, a primeira vez que vi o mar. E ainda espero por outras e outras, como o primeiro salário, o primeiro carro, o primeiro filho. Cansa até de pensar no tanto de coisas que temos pra aprender. A propósito, vou contar um pouquinho da minha primeira vez de ontem.

No começo da semana rolou um assunto pelos corredores do instituto. O boato era que iria nevar na sexta e que sábado o dia estaria ideal pra esquiar. Depois de alguns emails e outros dias, estava sacramentado: partiríamos às 06:10 do sábado com destino à estação de esqui.

Era sexta-feira à noite. Estava em casa fazendo um arroz para a janta. De aperitivo queijo com vinho. Depois de três taças o arroz ficou pronto e o Léo chegou em casa. Fizemos um bifinho de frango e a janta estava pronta. Continuamos a beber vinho, agora acompanhado de uma boa prosa. E assim foi indo. A primeira garrafa acabou e veio a segunda. Quando nos demos conta, o relógio mostrou 01:00. Hora da última taça. Não iríamos deixar sobrar 4 dedos de vinho naquela altura do campeonato. Pronto! Mais uma garrafa pro lixo de recicláveis. Fomos então deitar e esperar o despertador às 04:30.

Mesmo de mal com o relógio, levantamos na hora prevista. Pegamos um ônibus público às 05:20 e fomos para o lugar de onde sairíamos para a tal aventura. Eram 05:50 quando chegamos lá. O restante do grupo foi chegando e com 5 minutos de atraso o ônibus saiu para a estação de esqui. Naturalmente, quase todos dormiram no longo trajeto de 3 horas até lá. Eu tentei também, mas um certo enjôo me perturbava. Não sei se seqüelas da noite anterior, das poucas horas de sono ou do ovo mexido daquela manhã. Me concentrei para não vomitar. Enfim, cochilei. Quando abri os olhos estava tudo branco. Era neve pra todo lado.

Ao chegar na estação, fomos alugar o equipamento de esqui. Com todo os apetrechos no corpo vieram as primeiras lições: “para frear basta fazer um “V” ao contrário (ou seja, um A sem o tracinho do meio); para virar, gire o tronco que o esqui acompanha. Ok?” É, na teoria parecia fácil. Tinham até criancinhas que passavam à toda velocidade. Pensei "é, não deve ser um bicho de sete cabeças".

“Quê? Balela!” Na primeira descida comecei a embalar e o tal do “V” ao contrário virou um “X” e só consegui frear com o atrito do bumbum no chão. "E agora, como levanta?" Tinha pulado essa lição. O peso do esqui e seu tamanho me impediam de fazer os movimentos que queria. Era impossível. Foram talvez os 10 minutos mais constrangedores das 'primeiras vezes' de que me lembro. Ouvia risadas de crianças que passavam por mim. Olhares de pena. Mas ajudar que é bom, ninguém! Ah! Desci de bunda mesmo. Mas sou brasileiro e não desisto nunca, certo? "Vamos tentar de novo." Foi quando o constrangimento deu lugar ao medo. Além de não conseguir frear estava indo na direção de uma descida com bandeirinha vermelha. Girei o tronco. “Ué, não bastava girar o tronco que o esqui acompanhava?” Mesmo não sabendo muito sobre as cores, a descida azul ao lado me parecia muito mais simpática que a vermelha. Dessa vez foram necessários o bumbum e as mãos pra conseguir parar. “Tsá, quer saber? Que brasileiro que nada. Desisto.” Tirei os esquis e fui sentar. Fui desabafar minha frustração e desapontamento ligando pra Lia, apesar da hora. Com um bom tom psicológico, ela me acalmou. Porém, isso não foi suficiente para eu mudar de idéia e enfrentar aquilo ali sozinho de novo.

Fiquei ali um bom tempo, comi um sanduíche e uma banana que tinha trazido de casa. Aos poucos foram chegando outros do grupo ali na mesa. A minha situação causou pena. Foi aí que alguns do grupo me acolheram e me pegaram como pupilo. Subimos até o topo da montanha e fomos descendo devagarzinho. A inclinação era pequena. Era mais fácil frear. Aos poucos fui aprendendo a fazer curva também. A diversão foi se fazendo presente. A tormenta tinha passado. Ah, e o visual? Espetacular. Fiquei por um tempo admirando aquela paisagem em silêncio. Definitivamente, um novo porto para um marinheiro de primeira viagem. Estava sentindo ali uma das coisas que vim buscar aqui no velho mundo: primeiras vezes.